Refletir sobre a construção de um ideal de Justiça mais amplo, humano e consciente das contribuições dos povos negros é o objetivo central da participação do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJAL) na 11ª edição da Bienal do Livro de Alagoas.
Inspirado na proposta central do evento - Brasil e África ligados culturalmente nas suas raízes e ritos -, o Judiciário alagoano apresentará o tema Justiça também é luta ancestral, que norteará suas atividades durante os dez dias de encontro. O estande será aberto às 19h desta sexta-feira (31).
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Esperamos provocar reflexões sobre história, identidade, memória e o próprio sentido da Justiça no presente, além de discutir os reflexos do racismo estrutural no sistema de Justiça e as barreiras ainda existentes, explica Mirian Alves, diretora da Biblioteca Geral do Poder Judiciário, responsável pela concepção do tema e coordenadora da comissão organizadora.
Com o apoio da Presidência do TJAL, sob a gestão do desembargador Fábio Bittencourt, e tendo como parceiro institucional a Escola Superior da Magistratura (Esmal), cujo diretor-geral, desembargador Fernando Tourinho, atuou diretamente no planejamento estratégico, segundo Mirian, trabalhar essa proposta une duas diretrizes fundamentais: revelar um passado pouco contemplado pela historiografia oficial e imaginar um futuro mais inclusivo.
Dizer que Justiça também é luta ancestral é reconhecer que o direito foi e continua sendo um campo de disputa política e simbólica onde a população negra tem inscrito sua presença, sua resistência e seu projeto de futuro, pondera.
Mirian considera que lutar por Justiça hoje é honrar o legado de quem enfrentou as estruturas de opressão e que cada conquista é também uma vitória ancestral. A diretora cita o caso do jurista Luiz Gama, no século XIX, que mesmo sendo impedido de exercer formalmente a advocacia, usou o conhecimento jurídico para libertar centenas de pessoas escravizadas.
Mesmo diante de sistemas jurídicos excludentes, pessoas negras sempre encontraram formas de resistir e reivindicar direitos, a exemplo dos escravizados que ingressaram com ações de liberdade na Justiça, como fez Luiz Gama, completa.
Equidade Racial
Para o juiz Vinicius Garcia, que preside a Comissão de Equidade Racial do TJAL, a escolha do tema reflete o compromisso do Tribunal em contribuir com um debate consistente sobre a redução das desigualdades e a valorização das origens afro-brasileiras.
A decisão mostra que o Tribunal entende a questão racial como uma luta histórica e contínua, que busca reparar desequilíbrios estruturais e recuperar aspectos da ancestralidade negra, das religiões de matriz africana e da cultura afro-brasileira, promovendo uma sociedade mais inclusiva no âmbito do Judiciário, sintetiza.
O magistrado afirma que ao participar de um evento de grande porte como a Bienal, o Judiciário amplia as suas fronteiras de atuação e contato com a população em geral.
Iniciativas simbólicas como essa ajudam a aproximar a Justiça da sociedade e de sua diversidade cultural, mostrando que o Judiciário também se preocupa com temas que ultrapassam o campo da punição e da resolução litigiosa de conflitos, ressalta.
Arte, cultura e memória
Além de alcançar um público diversificado, a presença do TJAL no evento reafirma o papel da arte e da cultura como ferramentas de reflexão dentro das instituições públicas.
A arte e a cultura alcançam um campo onde o discurso técnico e o formalismo não conseguem tocar, que é o da sensibilidade. Elas nos possibilitam pensar o Direito como instrumento de humanidade e não apenas como procedimento, conclui Mirian.
Para a diretora da Biblioteca, o evento é uma oportunidade de desencastelar o Judiciário e retomar o protagonismo de personagens negros na história, criando uma narrativa mais abrangente e justa.
A memória se torna um instrumento de reparação simbólica e de Justiça, completa.
Trabalho conjunto
Durante os dez dias do evento, que acontece até 9 de novembro, o estande oferecerá uma programação diversificada, incluindo lançamentos de livros, exposições históricas, rodas de conversa, oficinas educativas e apresentações culturais, abordando temas como direitos da infância, ressocialização, gênero, ancestralidade negra e cidadania.
Esta não é a primeira vez que o TJAL marca presença na Bienal do Livro. As mais recentes participações ocorreram em 2019 e 2023, quando a Biblioteca Geral do Judiciário e a Esmal assumiram o desafio de aproximar, durante o evento, o Poder Judiciário da sociedade com atividades culturais, educativas e de difusão do conhecimento jurídico. Em 2025 a participação do TJAL será viabilizada por uma comissão composta por membros da Esmal, da Presidência do TJAL e do Centro e Cultura e Memória do Judiciário (CCM).
Filipe Norberto Ascom/Esmal